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15 de jun. de 2015

Marina - Resenha

Marina – Carlos Ruiz Zafón

Sinopse

Neste livro, Zafón constrói um suspense envolvente em que Barcelona é a cidade-personagem, por onde o estudante de internato Óscar Drai, de 15 anos, passa todo o seu tempo livre, andando pelas ruas e se encantando com a arquitetura de seus casarões. É um desses antigos casarões aparentemente abandonados que chama a atenção de Oscar, que logo se aventura a entrar na casa. Lá dentro, o jovem se encanta com o som de uma belíssima voz e por um relógio de bolso quebrado e muito antigo.

Mas ele se assusta com uma inesperada presença na sala de estar e foge, assustado, levando o relógio. Dias depois, ao retornar à casa para devolver o objeto roubado, conhece Marina, a jovem de olhos cinzentos que o leva a um cemitério, onde uma mulher coberta por um manto negro visita uma sepultura sem nome, sempre à mesma data, à mesma hora. 

Os dois passam então a tentar desvendar o mistério que ronda a mulher do cemitério, passando por palacetes e estufas abandonadas, lutando contra manequins vivos e se defrontando com o mesmo símbolo - uma mariposa negra - diversas vezes, nas mais aventurosas situações por entre os cantos remotos de Barcelona. Tudo isso pelos olhos de Oscar, o menino solitário que se apaixona por Marina e tudo o que a envolve, passando a conviver dia e noite com a falta de eletricidade do casarão, o amigável e doente pai da garota, Germán, o gato Kafka, e a coleção de pinturas espectrais da sala de retratos. 

Em Marina, o leitor é tragado para dentro de uma investigação cheia de mistérios, conhecendo, a cada capítulo, novas pistas e personagens de uma intrincada história sobre um imigrante de Praga que fez fama e fortuna em Barcelona e teve com sua bela esposa um fim trágico. Ou pelo menos é o que todos imaginam que tenha acontecido, a não ser por Oscar e Marina, que vão correr em busca da verdade - antes de saber que é ela que vai ao encontro deles, como declara um dos complexos personagens do livro.



Considerações

A princípio, pensei em não resenhar este livro, tanto porque há muitas resenhas disponíveis na internet, como porque a sinopse conta até mais do que o necessário para fazer o leitor se interessar. No entanto, mudei de opinião após conversar com uma pessoa que teve uma impressão diferente da minha e da maioria das pessoas que vi.

Peço ao leitor que ainda não conhece essa história que tenha cautela ao ler esta resenha, pois precisarei revelar partes do enredo. 

Óscar é um garoto solitário que vive num colégio interno, e, ao final de cada dia, sai às vezes com seu melhor amigo, às vezes só, para passeios por Barcelona. Em certa ocasião, ele faz o trajeto sozinho, e descobre uma rua esquecida cheia de casarões abandonados. Quando já pensa em voltar, é seduzido por um canto doce, e acaba acidentalmente roubando um relógio da casa de onde vem o canto. Ao voltar à residência para devolver o objeto, Óscar conhece Marina, uma jovem mais ou menos da mesma idade que ele, que vive naquela casa da rua abandonada com o pai doente, de quem cuida. Marina não vai à escola e não tem muitos amigos, o que torna a amizade entre ela e Óscar natural.

A partir daí o leitor é envolvido num mistério: Marina quer descobrir a verdade sobre uma estranha mulher de véu preto que visita um cemitério esquecido de Barcelona, sempre no mesmo dia do mês, sempre à mesma hora. Os dois adolescentes se envolvem em mistérios que envolvem um cientista louco, experimentos grotescos com seres humanos, e um romance trágico, e cada revelação é mais surpreendente que a outra, deixando o leitor totalmente incapacitado de largar o livro. E, embora já exista mistério suficiente na história que os jovens estão investigando, ainda há um mistério que Óscar precisa desvendar sozinho: quem é Marina? Que segredos ela esconde? Pois obviamente existe um, e o leitor se pega imaginando, página após página, qual seria este mistério. Seria Marina um fantasma? Uma alucinação? Alguém de outra vida?

O segredo de Marina só é revelado no final da história, e certamente emociona o leitor, que se sente solidário e companheiro de Óscar, e sente toda sua solidão quando Marina parte, e o deixa sozinho mais uma vez.

No entanto…

Li Marina com a mesma empolgação com que li os outros livros de Carlos Ruiz Zafón. Ao chegar ao final, julguei que tinha entendido tudo: as revelações de Zafón revelavam tudo, simples assim. Porém, quando peguei este livro na biblioteca municipal, tanto minha mãe como meu marido o leram também no período em que o tive emprestado, o que proporcionou boas conversas a respeito dele. Minha mãe teve as mesmas impressões que eu e que a maioria dos leitores de quem li as resenhas.

Mas meu marido, que não é fã do gênero fantasia e que costuma ter pontos de vista diferentes, me mostrou uma outra possibilidade de interpretação do livro, que o torna ainda mais fascinante e misterioso, deixando uma grande interrogação que, creio, nunca se apagará.

Garanto que a dúvida deixada por Marina é tão intrigante quanto a veracidade ou não da traição de Capitu. Ou mais, já que as possibilidades do que teria acontecido ou não são muito maiores.

A PARTIR DESTE PONTO HÁ MUITAS REVELAÇÕES SOBRE O ENREDO!

No início do livro, a nota do autor sobre o livro Marina é um tanto quanto reveladora: este é, talvez, o livro mais pessoal do escritor.

Logo no início do texto temos outra frase importante, dita por Marina para Óscar no meio do livro, e que ele reforça tanto no início quanto no final, e que é talvez a mais importante para lançar a teia de dúvidas que não se desenrola: Marina diz a Óscar que a gente só se lembra bem do que nunca aconteceu. E é nesse ponto que começamos a acompanhar os relatos de Óscar, já um homem de mais trinta anos, sobre o que aconteceu com ele na semana em que ficou desaparecido por Barcelona, para a qual ele deu explicações diferentes para cada pessoa, de acordo com o que a pessoa em questão poderia ou não entender.

Óscar é um menino solitário e vive num internato. Seus pais não fazem questão nem de passar as festas de fim de ano com ele, o que o torna um garoto de certa forma melancólico, e certamente louco para fazer parte de uma família. Então, quando ele conhece Marina e o pai dela, vive uma aventura e desvenda um mistério que ninguém sabia que existia no submundo de Barcelona. Quando passamos pelo clímax do livro, e todos os segredos são desvendados, e o misterioso cientista e sua fiel esposa enlutada morrem num grande incêndio, destruindo também todas as provas da existência da tragédia enigmática que envolveu os personagens, descobrimos, finalmente, que Marina é real, e que seu grande segredo, que a mantém afastada das pessoas e longe da escola, é que é ela quem está doente, não o pai dela. Então acompanhamos Óscar em suas visitas ao hospital até que, fatalmente, Marina morre, e Óscar passa uma semana desaparecido de Barcelona porque vai ao funeral dela sem contar a ninguém.

O livro termina aí, nos deixando com a sensação de uma tristeza profunda de um amor que poderia ter sido, mas que não aconteceu por uma terrível doença, refletindo a tragédia ocorrida com o casal misterioso: o médico cientista e sua mulher deformada, que visita seu túmulo coberta com um véu.

Entretanto, uma breve reflexão minuciosa nos leva a algumas constatações:

1 – Todos os personagens principais que tiveram conhecimento da existência de Marina ou da terrível história de mistério da viúva e do cientista, com exceção do pai dela, terminam mortos.

2 - O pai de Marina, único a conhecer a verdade sobre a filha, vai embora para nunca mais voltar, e Óscar não o vê mais, o que também nos permite duvidar de sua existência.

3 – Óscar não contou a absolutamente ninguém sobre Marina ou sobre suas aventuras com ela, nem foi questionado, em nenhum momento, pelos padres do internato, sobre suas misteriosas andanças.

4 – Uma cena em particular mostra Óscar sendo atacado no internato, e a criatura atacante deixando as mãos de madeira (próteses) de um dos personagens, sendo deixada no internato, ensanguentadas. No entanto, não há nenhum indício de que a polícia tenha sido acionada, e em nenhum momento posterior o internato entra em contato com o menino para falar sobre o ocorrido, o que levanta suspeitas sobre a realidade do ocorrido também.

5 – Marina e o pai vivem numa casa isolada em um bairro onde só existem casarões abandonados. Não têm energia elétrica por falta de dinheiro, e Óscar encontra a casa vazia várias vezes, quando entra sorrateiramente nela. A maioria dos móveis está sempre coberta por lençóis, e, em algumas ocasiões, há uma camada de pó cobrindo o chão, típico de casas abandonadas. E, ainda que sejam descritos como decadentes, até extremamente pobres, Marina e seu pai ocasionalmente têm dinheiro para comprar croissants, e o pai mantém, em perfeito estado, um carro antigo, que funciona perfeitamente bem, e poderia muito bem ser vendido como relíquia. Eles também têm dinheiro para abastecer o carro e ir à praia, além de pagarem viagens ocasionais para o tratamento do pai (que, mais tarde, sabemos que são tratamentos para Marina).

6 - Quando comparamos a data de nascimento de Zafón com a idade de Óscar e o ano em que se passa o livro, descobrimos que Zafón e Óscar têm a mesma idade, além de compartilharem a mesma cidade natal, Barcelona, o que nos leva a questionar o quanto da juventude real de Zafón pode haver na história.

No fim, fica a dúvida: será que Óscar, que pode ser um alter ego do autor, não inventou toda essa história por ser um menino solitário? Se sim, será que ele inventou apenas a parte mística, e Marina realmente existiu na vida dele? Ou então, por ser um menino tão sozinho, seria toda a história inventada pela imaginação fértil de um escritor preso em um internato? Teria tudo acontecido de verdade, e a história teria se tornado algo que “nunca aconteceu” porque o único a saber dela é Óscar, que nunca a contou a ninguém? Ou será que o próprio Óscar poderia não mais diferenciar a realidade da invenção, já que é tão fácil se lembrar bem do que jamais aconteceu?

A única certeza é de que as histórias de Zafón são incrivelmente belas, trágicas e mágicas, e Marina é, sem dúvida, uma das melhores.

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